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Quem somos quando nada mais dura?

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  Vivemos tempos líquidos - dizia Bauman, e essa liquidez não é apenas uma metáfora bonita, mas um diagnóstico do modo como tudo escorre por entre os dedos. Nada mais permanece. Relações, valores, identidades, até os sonhos... tudo se dissolve na velocidade com que deslizamos a tela do celular. A modernidade líquida é o império do instantâneo. O amor precisa ser rápido, o prazer imediato, o sofrimento breve. Somos ensinados a trocar antes de consertar, a seguir em frente antes de compreender, a desejar sem sequer saber o que realmente queremos. E nessa busca por liberdade total, acabamos prisioneiros de um vazio que nos consome em silêncio. Bauman nos alerta: a liquidez prometia leveza, mas trouxe instabilidade. O que antes era chão, hoje é areia movediça. O eu tornou-se um projeto inacabado, constantemente refeito conforme a moda, a opinião ou o algoritmo. A fluidez virou disfarce para o medo - medo do compromisso, da perda, da entrega. Mas talvez a pergunta mais profunda que essa...

Correr no Sentido Anti-horário

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  Você já se perguntou por que os corredores sempre circulam a pista no sentido anti-horário? A razão por trás dessa prática está enraizada na história, na ciência e até mesmo em padrões naturais. Surpreendentemente, nem sempre foi assim. Mais de um século atrás, os atletas corriam na direção oposta — no sentido horário. Nos primeiros Jogos Olímpicos modernos em 1896, realizados em Atenas, eventos como os 200m, 400m e 800m eram todos realizados no sentido horário ao redor da pista. No entanto, os corredores logo começaram a sentir desconforto e até mesmo dor ao correr nessa direção. Alguns atletas relataram tensão em certos músculos e articulações, principalmente na perna esquerda, que foi forçada a fazer mais trabalho em corridas no sentido horário. Em resposta a essas preocupações, as autoridades atléticas tomaram medidas. Por volta de 1913, eles determinaram oficialmente que os eventos de pista seriam realizados no sentido anti-horário. Essa mudança rapidamente se tornou o novo ...

A genialidade não percebida

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Ele tinha dez anos. Chamava-se Joseph Brodsky e frequentava a escola na pacata cidade de Polyany, na Rússia. Ele a achava sufocante, enfadonha. O que nos recorda o personagem criado por Maurice Druon, Tistu. Ele aprendera as primeiras letras, as somas, subtrações e divisões com sua mãe. Quando o mandaram para a escola, o resultado foi lamentável. Quando começava o lento desfile das letras que caminham a passo pelo quadro-negro, quando começava a se desenrolar a monótona corrente dos três vezes três, cinco vezes cinco, sete vezes sete, ele caía no mais profundo sono. Tistu colecionou muitos zeros, recebeu reprimendas de toda ordem. Nada pareceu adiantar. Desistindo daquele aluno, o professor enviou uma carta ao pai: O seu filho não é como todo mundo, não é possível conservá-lo na escola. Para Joseph, o relatório escolar foi mais contundente. Foi qualificado como teimoso, preguiçoso e mal-educado. Não fazia os deveres de casa ou os fazia de qualquer jeito. Seus cadernos foram considerado...

Bob Fletcher. Uma história incrível de compaixão.

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  Enquanto os vizinhos eram levados para campos de concentração, ele cuidava das fazendas deles de graça, guardava seus lucros e enfrentava ameaças de morte. Quando voltaram, encontraram os pomares florescendo. Em 1942, os trens começaram a deixar os vales da Califórnia, levando milhares de famílias nipo-americanas para campos cercados por arame farpado sob a Ordem Executiva 9066. As casas foram lacradas. Os pomares silenciaram. Placas nas cercas diziam: “Evacuação Concluída.” Bob Fletcher, um jovem inspetor agrícola em Florin — uma pequena cidade ao sul de Sacramento —, ficou parado à beira da estrada vendo seus amigos e vizinhos desaparecerem atrás das cercas. A maioria deles era formada por agricultores — produtores de morangos, frutas e vegetais, descendentes de famílias que cultivavam o solo californiano havia décadas. Seu único “crime” era a ascendência japonesa — num país tomado pelo medo e pelo racismo após Pearl Harbor. Quando suas terras ficaram vazias, o mato começou a e...

Vir a ser. Estar. Lançar-se. Existir.

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  Pensar a vida é pensar o existir — não apenas como biologia, mas como presença no mundo. É pensar a relação com o mundo, o significado de estar aqui, o para quê e o para onde. Essas são as mesmas perguntas que a humanidade sempre carregou, desde o primeiro olhar para o céu. Vir a ser. Estar. Lançar-se. Existir. E nesse intervalo entre o nascer e o morrer, inventamos cultura — essa teia simbólica criada para dar sentido ao que não tem explicação. Porque o sentido não é dado, é criado. Criamos mitos, rituais, narrativas, e nelas depositamos nossos medos e esperanças. Cantamos e dançamos para afastar o medo. Reunimo-nos em torno do fogo para partilhar histórias que nos façam suportar o mistério. Não sabemos de onde viemos, por quê, nem para onde vamos. Sabemos quase tudo sobre tudo — e nada sobre o essencial. Então cobrimos o vazio com informações, saberes, teorias, religiões, ciências. Enchemos a vida de palavras para não escutar o silêncio. Inventamos histórias para acreditar nela...

Lucidez: um ato de resistência!

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Tudo o que dizemos ou fazemos deveria nascer do fogo lento do pensamento, não da pressa que repete. Pensar é lapidar o bruto da experiência até que brilhe em sentido, é arrancar da palavra o seu eco e não apenas o seu som. O mundo, saturado de vozes e fórmulas, parece pedir menos consciência e mais ruído, menos criação e mais reprodução. Mas é precisamente nesse cenário que a lucidez se torna um ato de resistência. A vida, sempre pronta a seduzir-nos com o conforto do comum, convida-nos todos os dias à mesa da mediocridade. Ela oferece recompensas imediatas, elogios fáceis, pertencimentos banais. E, ainda assim, há quem recuse,  não por soberba, mas por fidelidade à chama interior que exige autenticidade. Recusar o convite é afirmar o espírito contra o automatismo, é dar à existência uma réplica à altura de sua grandeza. Pensar é um gesto de nobreza invisível, um modo de transformar o cotidiano em obra e a palavra em testemunho. Quem pensa lapida-se, quem repete dissolve-se. E talv...

Verdade.Linguagem.Conhecimento.

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" Conhecereis a Verdade e a Verdade vos Libertará"... Evangelho de João 8:32 A verdade completa não se diz. Mesmo nas nossas experiências mais verdadeiras,se assim podemos dizer;nossa linguagem nunca poderá exprimir tudo o que pensamos ,experimentamos ou mesmo sentimos.   "Para Lacan, psicanalista e filósofo francês:nós nunca conseguimos dizer toda a verdade porque tudo o que pensamos e sentimos precisa passar pela linguagem, e a linguagem é limitada. Ela recorta, simplifica e organiza a experiência, mas também deixa escapar algo — aquilo que é vivido mas não totalmente simbolizado. Sendo assim, mesmo quando falamos a verdade, ela é sempre parcial, 'meio-dita'. O que chamamos de 'verdade completa' é estruturalmente impossível de ser expressa, porque o Real — essa dimensão da experiência que não cabe em palavras — sempre excede o que podemos formular. É justamente aí que Lacan encontra algo essencial: no ponto onde a linguagem falha, onde faltam palavras, ...