ESBOÇO DE PSICOTERAPIA NO LIVRO DE JÓ

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ESBOÇO DE PSICOTERAPIA NO LIVRO DE JÓ


O livro de Jó é permeado de diálogos em forma de pequenos discursos:
a. Os diálogos de Jó, com Deus, que se recusa a responder às suas perguntas;
b. Os diálogos de satanás com Deus, fazendo suas propostas indecorosas
c. Os diálogos de Jó com sua esposa, que desiste de sua vida e de sua fé e blasfema;
d. Os diálogos de Jó com seus amigos, que são os diálogos mais extensos.
Nestes diálogos aprendemos muita coisa sobre amizade, aconselhamento e psicoterapia.
Podemos dividir a intervenção dos amigos de Jó em dois momentos: um de terapia positiva, outro negativa.
Positivas:
Os amigos de Jó acertam quando se solidarizam com sua dor.
Eles saem de sua zona de conforto para estar ao lado do amigo nos dias da calamidade. “Chegaram, cada um de seu lugar” (Jó 21.11).
A disposição deles para estarem ao seu lado nos momentos de angústia e dor, demonstram o poder curativo e sarador da amizade. É uma benção quando ter pessoas amadas quando a dor se manifesta. A sociedade moderna é individualista demais, e nem sempre é fácil encontrar pessoas que se disponham a gastar tempo, refazer sua agenda para manifestar solidariedade. Tenho percebido que, em determinados ciclos, é mais fácil encontrar pessoas dispostas a dar dinheiro para uma calamidade que dar seu tempo.
Sair desta zona de conforto implica em custo financeiro, reorganização da vida, mas vale a pena cada centavo gasto e cada minuto despendido. Alguém definiu o amigo como alguém que chega quando todos os demais saem. Provérbios afirma que “em todo tempo ama o amigo, mas na angústia se faz o irmão” (Pv 17.17). Amizades sólidas surgem quando gasta-se tempo junto em momentos de dor e aflição.
Aos pastores gosto de lembrar que as pessoas raramente se lembrarão de seus sermões daqui a 5 anos, mas nunca se esquecerão de sua presença em momentos de dor, daqui 20 anos.
Os amigos de Jó acertam quando se tornam empáticos -
“Ergueram a voz e choraram; e cada um, rasgando o seu manto, lançava pó ao ar sobre sua cabeça” (Jó 2.12).
Existe uma pequena diferença entre o primeiro item e o seguinte, por causa da intensidade. Eventualmente o que dizemos não é importante, mas a ênfase que damos, sim. Determinado tipo de lazer pode ser algo saudável, mas dependendo da intensidade pode se tornar doentio e idolátrico. Empatia é o ato de solidariedade e identificação com o outro, num nível mais profundo. Um exemplo disto se deu recentemente numa escola, quando uma professora, por causa da quimioterapia, perdeu todo seu cabelo, e os alunos resolveram também rapar sua cabeça em sinal de solidariedade.
Simpatia, etmologicamente significa “sofrer com” (do prefixo grego sin + pathos, adoecer com com), enquanto empatia significa “sofrer em” (en + pathos, adoecer em). É uma questão de intensidade. Os amigos de Jó entraram na dor de Jó, permitiram que ela se tornasse visceral. A dramatização vivenciada revela isto. Eles choram alto, eles rasgam suas vestes, eles colocam areia e cinza sobre suas cabeças. Permitem que a dor não fique periférica, mas adentre seus corpos.
Já sentiram dor assim?
Já sentiram a dor do outro neste nível, de chegar a adoecê-lo fisicamente?
Os amigos de Jó acertam em respeitarem a dor do amigo -
“Sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande” (Jó 2.13).
Em geral, quando nos deparamos com a dor do nosso vizinho, cliente ou amigo, nossa tendência imediata é explicar a razão da dor, psicanalizar o mal e justificar Deus. Todas estas tentativas são malogradas.
Conheci um homem que perdeu seus pais num acidente de carro, deixando sua mãe viúva com dois filhos, ele, com dois anos, sua irmã, com 4 anos. Numa tentativa de explicar este fatídico incidente, certa mulher lhe disse que Deus fizera isto para que ele fosse o homem de sucesso que é atualmente. Sua atitude foi de profunda revolta contra esta mulher. Até que ponto Deus precisa matar meu pai num acidente para me fazer bem sucedido? Este Deus não é um Deus com o qual estou interessado em relacionar.
Percebem? Será que Deus precisa matar alguém de nossa família para sermos pessoas bem sucedidas ou abençoadas? Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, mas explicar a dor, o mal e a morte, é quase sempre um fiasco. Justificar Deus com argumentos de defesa é outro problema difícil de equacionar. Deus não precisa de advogado e nem precisa ser defendido.
Os amigos de Jó, inicialmente respeitaram a grande dor que ele estava enfrentando. Isto signfica adentrar a dor como uma dimensão do mistério, zona sagrada, não explicável, que exige temor e reverencia. Silencio nestas horas é altamente efetivo. Basta um abraço, a simples presença, altamente terapêutica – eles fizeram, no momento inicial, tudo isto com muita sensibilidade, posteriormente perderam esta capacidade de respeito.
À medida em que lemos o livro de Jó, vamos percebendo como se tornaram tolos. No final, a presença deles se tornou agônica, não restauradora e curativa. Para Jó, se tornou um sofrimento; para Deus, uma afronta. Deus os repreendeu pelas tolices e explicações que resolveram dar.
Em que erraram? Falsa Psicoterapia
Erraram por falar
Um antigo ditado diz que “o silêncio é de ouro”. A Bíblia diz que até o tolo se torna-se sábio, quando se cala. Um ditado popular afirma que “quem fala muito dá bom dia a cavalo”. A sabedoria popular, a sabedoria antiga e a sabedoria da bíblia apontam na mesma direção.
Certa vez fui procurado por uma pessoa em grande aflição, que estava atravessando uma grande tragédia familiar, e que me pediu que lhe explicasse a razão e os motivos daqueles acontecimentos e porque Deus permitira que aquilo acontecesse.
Eu não sabia o que responder – felizmente. Poderia até usar antigos argumentos que falam da teologia do sofrimento, mas percebi que não deveria falar e que as palavras não se organizavam na minha mente e por sua vez não se organizariam no coração daquela pessoa. Sua dor era grande, eu havia participado muito de perto destes trágicos momentos, e decidi simplesmente abraçá-la e chorar com ela. Eu não podia fazer nada mais que isto e não era necessário que algo a mais fosse feito.
Rubem Alves afirma que “Há cursos de oratória. Não há cursos de escutatória. Todos querem aprender a falar, ninguém quer aprender a escutar”.
Erram por julgar
Quando se tenta explicar o sofrimento e suas causas, quase sempre julgamos o que sofre. Isto aconteceu com os discípulos de Jesus: “Quem foi o culpado: Este ou seus pais dele nascer cego?” (Jo 9.2), e Jesus lhes respondeu: “Nem ele nem seus pais, mas para que nele se manifeste a glória de Deus”.
No livro de Jó, a teologia retributiva está muito presente, criando uma complexa relação de causa/efeito. Se as coisas vão bem, é porque sou fiel, se vão mal, é por alguma culpa por algum pecado cometido. Isto transforma a dor ainda mais dolorida, pois acrescentamos dor à dor. Os amigos de Jó tentam fazer a hermenêutica da dor, e o resultado foi caótico.
Sabemos que uma das fontes do sofrimento é o nosso pecado. Muitas vezes sofremos por causa de atitudes intempestivas, decisões erradas, julgamentos equivocados e desobediência a Deus. A impulsividade para o erro e a atração pelo mal redundam em grandes sofrimentos. No entanto, existem muitos outros problemas que jamais poderão ser explicados por este raciocínio. Quando alguém afirmou que AIDS era castigo de Deus, outro interlocutor perguntou: “Como podemos então explicar as crianças que já possuem o vírus por terem sido geradas no útero de uma mulher soro positivo?”. Quando insistimos nesta lógica perversa, superdimensionamos a dor. Acrescentamos dor à dor.
Os amigos de Jó passaram a julgá-lo:
Elifaz afirma:
“Acaso, já pereceu alguém inocente? E onde foram os retos destruídos?
Segundo o que tenho visto, os que lavram a iniqüidade e semeiam o mal
isso mesmo eles colhem” (Jó 4.7-8)
Não fica clara a lógica retributiva e meritória?
O que ele insinua no seu discurso? Você está sofrendo porque fez algo errado. Você passou por esta tragédia porque é culpado.
Bildade diz:
“Mas, se buscares a Deus e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia,
Se fores puro e reto, ele, sem demora, despertará em teu favor
e restaurará a justiça de tua morada” (Jó 8.5-6)
O que ele diz implicitamente?
O problema de Jó era sua vida espiritual. Se ele fosse mais crente e orasse mais, não teria problema . A teologia da prosperidade segue este lógica perversa, que não apenas condena o que sofre, mas que dá a entender que nós, que não estamos passando por sofrimento, somos mais espirituais. Embora muitos sofrimentos sejam decorrentes de pecados e escolhas morais erradas, julgar alguém que sofre é cruel e anti-bíblico. O próprio Deus vai julgar estes homens no final do livro.
Erraram por interpretar erroneamente a Deus – Isto é, erraram na sua teologia. É interessante observar que o discurso teológico que usam, em muitas ocasiões, é o mesmo que usamos e que foi tão amplamente usado pela justiça retributiva do Antigo Testamento e da teologia judaica. No entanto, Deus afirma que eles estavam errados.
Erraram por reduzir Deus a um esquema de pensamento, fazendo uma leitura reducionista. A verdade é que Deus é maior do que a nossa teologia e está acima de tudo o que dizemos dele. Não é sem razão que homens de Deus perceberam isto e expressaram sua surpresa com a forma de Deus agir.
Isaias afirma:
“Verdadeiramente, tu és Deus misterioso,
Ó Deus de Israel , ó salvador” (Is 45.15)
Naum diz:
“O Senhor tem o seu caminho na tormenta e na tempestade,e as nuvens são o pó de seus pés” (Naum 1.3)
Previsibilidade não é, certamente, um atributo de Deus – estabilidade e fidelidade, sim.
Você não coloca Deus numa equação: Se eu agir assim, ele responderá assim. Ele é soberano e livre para fazer o que quer fazer, segundo o beneplácito de sua vontade (Ef 1.5) e afirma: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?” (Rm 9.20). Ele age segundo a sua vontade e seu bel prazer, isto significa “beneplácito”, sua vontade livre.
Ele é sábio, amoroso, providente e bom – e tem todo poder. Ele conhece tanto o passado quanto o futuro, tem planos para a história e para sua vida pessoal. Meios imprevisíveis e rotas alternativas podem ser a forma dele comunicar verdades, mas Ele não é previsível. C. S. Lewis afirma: “Ele é perigoso, mas é bom!”
O problema é que, quando colocamos em Deus conceitos e palavras, queremos que ele corresponda à nossa expectativa, e que não nos frustre.
Pelos equívocos cometidos, os amigos de Jó tiveram duas graves conseqüências:
A. Irritaram e entristeceram a Jó com suas análises e julgamentos: “Vós todos sois médicos que não valem nada. Tomara vos calásseis de todo que isso seria a vossa sabedoria” (Jó 13.4-5). Logo adiante, volta a reclamar da atitude dos amigos em tom ainda mais duro e melancólico: “Todos vós sois consoladores molestos. Porventura não terão fim essas palavras de vento? Ou o que é que instiga para responderes assim? Eu também poderia falar como vós falais, se a vossa alma estivesse em lugar da minha” (Jó 16.2-4).
No primeiro argumento, Jó pede para que eles se calem, afirmando que usavam “palavras de vento”. Jó tem a mesma atitude que o rei da Espanha teve num encontro de líderes mundiais e no qual Hugo Chávez, o presidente falastrão da Venezuela, falava sem parar: “Por que não te calas?”
No segundo argumento, chama-os de molestos, afirma que suas palavras são ocas e vazias. Ele afirma que ele poderia dizer a mesma coisa para eles, mas queria que eles estivessem na sua posição para entender o que ele estava sentindo.
B. Foram censurados por Deus. No final do livro de Jó, Deus censura as pressuposições destes homens. “Tendo o Senhor falado estas palavras a Jó, o Senhor disse também a Elifaz, o temanita: "A minha ira se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos; porque não dissestes de mim o que era reto, como o meu servo Jó" (Jó 42.7).
Curiosamente, eles tentaram justificar a Deus todo tempo, pareciam aliados de Deus. Jó, por outro lado, questiona Deus, culpa a Deus pela sua desgraça e o questiona todo tempo. No entanto, os amigos de Jó estavam errados.
Como é árduo explicar a divindade e equacionar seus mistérios. Eles disseram de Deus o que não era reto.
Humildade, reflexão, silêncio e ponderação diante dos mistérios da divindade, geram assombro, temor e reverencia. Respostas simplistas, apressadas, reducionistas, banalizam Deus. No final Deus recusou até a oração deles e pediu para que Jó intercedesse por eles.
Os amigos de Jó se depararam com um Deus tão grande que suas respostas simplistas, prontas e imediatas não foram capazes de atingir sua grandeza.
Só será capaz de trazer cura, conselheiros, pastores e amigos, que adentrarem o mistério da divindade com temor. Estes se aproximarão da dor do outro, com sensibilidade e cuidado, afinal, estamos entrando num território desconhecido: a dor e Deus.
O sofrimento dos outros, e os dilemas envolvidos na dor devem ser percebidos por nós com empatia e mistério.
Curiosamente o emblema do cristianismo é uma cruz. Símbolo de agonia e dor, símbolo de vergonha e humilhação. Que figura complexa para nos falar da experiência central da raça humana, que se deu numa cruz, na esquecida Judéia, dominada pelo império romano, dois mil atrás.
O sofrimento de Cristo e sua morte nos convidam a pensar na empatia e mistério.

A cruz nos convida à empatia.
Nela está refletido o amor daquele, que “tendo amado os seus discípulos, amou-os até o fim”. Ela aponta para Jesus, que assumiu forma humana e veio até entre nós não para pregar o Evangelho, mas para que houvesse um evangelho para ser pregado. “Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Onde poderíamos encontrar maior expressão de empatia?
A cruz nos aponta para o mistério.
John Newton colocou na música “Amazing Grace”, todo seu espanto com tamanho mistério.

“Oh graça imensa, que música doce

Que salva alguém como eu

Eu antes era perdido, agora salvo

Era cego, mas agora posso ver”

(extraído)

Bonani

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