"A Alma e Suas Sutilezas Disfarçadas"
Como dente quebrado e pé sem firmeza, assim é a confiança numa pessoa desleal em tempo de angústia. Provérbios 25:19
A empatia, essa habilidade tão celebrada, pode às vezes ser um afeto de superfície. Um verniz ético para sentimentos mais incômodos que preferimos não reconhecer — como a inveja. Isso não significa negar a empatia como valor ou capacidade real, mas sim questionar sua autenticidade quando usada como escudo emocional.
É fácil dizer “sinto muito por você” quando, no fundo, o que se sente é a frustração por não ocupar o lugar do outro. A empatia pode se tornar uma forma de roubar a dor alheia para torná-la palco da própria bondade — uma apropriação afetiva. É o “me coloco no seu lugar” que, muitas vezes, esconde o “queria estar no seu lugar (ou pelo menos, queria que você não estivesse tão bem)”.
A inveja, ao contrário da empatia, é um sentimento silencioso, socialmente proibido, mas onipresente. Freud já a nomeava como motor do recalque; Lacan a via como estrutural — o sujeito se constitui em falta, e o desejo é sempre o desejo do outro. Logo, a inveja não é exceção: é sintoma do desejo.
É por isso que, muitas vezes, o “sentir com” do empático é menos um gesto de partilha e mais um esforço de neutralizar o outro. Torná-lo próximo para desarmá-lo. Sentir por ele para não admitir que se deseja ser ele.
Talvez, então, o exercício mais honesto não seja tentar ser mais empático, mas mais consciente da própria inveja. Não como culpa, mas como dado da estrutura psíquica. Reconhecer o que se deseja no outro é o primeiro passo para desejar com mais verdade — e quem sabe, com mais liberdade.
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