O Ato Subversivo de Pensar
"Que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade." 2 Timóteo 3:7
"A beleza salvará o mundo”, escreveu Dostoiévski, mas não esta beleza domesticada, plastificada, fetichizada que impera no presente, uma beleza sem verdade, sem dor, sem profundidade. A beleza que nos cerca é epiderme, é simulacro, é sintoma da falência do espírito.
Vivemos, como diagnosticou Byung-Chul Han, em uma “sociedade da transparência”, onde tudo deve ser visível, exposto, exibido, como se o valor de algo residisse exclusivamente em sua capacidade de aparecer. A realidade se torna espetáculo, o eu se transforma em branding, e o outro deixa de ser uma alteridade radical, como queria Levinas, para se tornar público, plateia, consumidor da minha imagem.
Neste regime de visibilidade total, o pensamento se torna uma obscenidade, pois pensar é, por definição, lidar com o invisível, o ambíguo, o opaco. “A filosofia é um combate contra o fascínio que o intelecto exerce sobre si mesmo”, afirmava Wittgenstein, um combate que exige silêncio, recolhimento, profundidade, tudo aquilo que a cultura do desempenho e da aparência despreza.
A figura dominante do presente é o corpo sem espírito, ou melhor, o corpo transformado em projeto estético, vitrine de si mesmo, moldado pela lógica da performance. Como apontou Jean Baudrillard, o sujeito contemporâneo não vive mais no real, mas no hiper-real, isto é, num mundo em que os signos circulam em redes descolados de qualquer referencial substancial.
A aparência não é mais uma mediação simbólica, como era para os gregos, onde o belo revelava o bem, mas um fim em si. A exterioridade tornou-se uma ontologia. Já não se diz “penso, logo existo”, mas “apareço, logo valho”. A existência foi sequestrada pela estética da superfície. E como bem advertiu Nietzsche em A Gaia Ciência,
“O deserto cresce, ai daquele que abriga desertos dentro de si.”
A inteligência, nesse contexto, é vista como um luxo antigo, um adorno inútil. O saber não emociona, não viraliza, não vende. Como disse Adorno em sua Dialética do Esclarecimento, “o esclarecimento regressa à mitologia”, mas agora não à mitologia trágica e fundadora, e sim ao mito publicitário, à narrativa pasteurizada que consola sem perturbar, que confirma sem interrogar.
A inteligência requer tempo, e o tempo é o bem mais escasso de nossa era, não porque ele falte, mas porque foi colonizado pela urgência. Não há mais espaço para o pensamento demorado, para a dúvida, para a escuta fecunda. Como observaria Heidegger, “o homem não pensa ainda”, pois pensar exige uma disposição de abertura, uma escuta ao ser, que o ruído permanente da aparência impede.
A interioridade foi esvaziada, não por ausência de conteúdo, mas por excesso de representação. O sujeito contemporâneo, como apontou Foucault, já não é um “homem profundo”, mas uma superfície atravessada por discursos, normas, imagens. A subjetividade tornou-se curadoria de si, o eu como projeto, como mercadoria, como interface.
E nesse esvaziamento do interior, a inteligência, que antes brotava do confronto consigo mesmo, da tensão com a negatividade, tornou-se incômoda. A verdade dói, o pensamento fere, a lucidez é desconfortável, e por isso tudo isso é substituído por slogans, likes, filtros e frases prontas. O conhecimento virou conteúdo, isto é, algo empacotado, digerível, funcional.
Contra esse deserto simbólico, é preciso recuperar o pensamento como gesto radical de resistência. Pensar é sempre ir contra o fluxo, é nadar contra o senso comum, contra a facilidade da imagem. Simone Weil nos lembra que “a atenção, pura e sem mistura, é a forma mais rara e generosa do amor”. Pensar é, pois, amar aquilo que não se vê, é permanecer diante do enigma, sem exigir resposta imediata.
Como escreveu Arendt, em A Vida do Espírito,
“a única coisa que podemos exigir do pensar é que nos previna contra o mal.”
E o mal, hoje, assume a forma do vazio disfarçado de plenitude, da superficialidade que se proclama profundidade, da estupidez orgulhosa de sua própria visibilidade.
O gesto filosófico, neste contexto, é o de desenterrar o espírito sob os escombros da imagem. Pensar, hoje, é quase um ato subversivo. E talvez a nossa última forma de dignidade.
No dizer profético do apóstolo Paulo:"Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos." 2Timoteo 3:1
"Que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade." 2Timoteo 3:7
Subscrito
Bonani
Comentários
Postar um comentário
Escreva aqui seu comentário e enriqueça ainda mais o Blog com sua participação!