A genialidade não percebida



Ele tinha dez anos. Chamava-se Joseph Brodsky e frequentava a escola na pacata cidade de Polyany, na Rússia. Ele a achava sufocante, enfadonha.
O que nos recorda o personagem criado por Maurice Druon, Tistu. Ele aprendera as primeiras letras, as somas, subtrações e divisões com sua mãe. Quando o mandaram para a escola, o resultado foi lamentável.
Quando começava o lento desfile das letras que caminham a passo pelo quadro-negro, quando começava a se desenrolar a monótona corrente dos três vezes três, cinco vezes cinco, sete vezes sete, ele caía no mais profundo sono.
Tistu colecionou muitos zeros, recebeu reprimendas de toda ordem. Nada pareceu adiantar.
Desistindo daquele aluno, o professor enviou uma carta ao pai: O seu filho não é como todo mundo, não é possível conservá-lo na escola.
Para Joseph, o relatório escolar foi mais contundente. Foi qualificado como teimoso, preguiçoso e mal-educado. Não fazia os deveres de casa ou os fazia de qualquer jeito.
Seus cadernos foram considerados uma bagunça de rabiscos.
Brodsky não era o aluno preferido de ninguém. Pulou de instituição em instituição, repetiu séries. No oitavo ano, decidiu abandonar a escola.
Sem diploma, sem futuro promissor, sem reconhecimento, Brodsky sobreviveu em trabalhos aleatórios. No entanto, em silêncio, ele escrevia.
Escrevia como quem respira, como quem se ancora ao mundo.
Após entrar em conflito com as autoridades soviéticas e ser exilado em 1972, estabeleceu-se nos Estados Unidos, onde se tornou um poeta laureado americano e lecionou em universidades de prestígio.
Seus livros de ensaios e as coleções de poesia abordam temas como a vida, a morte e a liberdade individual, combinando uma linguagem lírica com ideias eruditas.
Em 1987, aquele menino de cadernos rabiscados, considerado preguiçoso e sem valor, assombrou o mundo, recebendo o Prêmio Nobel de Literatura.
Não se tratava apenas de um reconhecimento individual, mas de uma lição universal.
O talento, muitas vezes, floresce em terrenos improváveis, desafiando a lógica das instituições.
A grande literatura não é produto de programas ou sistemas, mas da solidão humana que se recusa a calar, declarou ele mesmo, em seu discurso em Estocolmo.
Sua história nos lembra de que há criaturas que não se ajustam aos padrões vigentes porque carregam dentro de si algo muito próprio, que transcende o que consideramos normal, desejável e apreciado.
Joseph Brodsky prova que o brilho não se mede em boletins, que o talento não se curva às regras, e que alguns espíritos não foram feitos para seguir caminhos traçados. Mas para reescrevê-los, mostrando-nos algo diferente do nosso comum.
Quantos seres semelhantes já tivemos em nosso mundo? Quando aprenderemos a ser mais atentos, menos preconceituosos, mais maleáveis ao novo, ao inusitado?
Olhos de ver, ouvidos de ouvir, coração de sentir.
Ainda e sempre valiosas recomendações para não desconsiderarmos criaturas de valor, que transitam ao nosso lado, em nosso tempo.

Subscrito

Bonani

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