“As vésperas de nunca partir que existem dentro de nós” . Alusão a Fernando Pessoa
“As vésperas de nunca partir que existem dentro de nós” . Alusão a Fernando Pessoa
Há em nós um instante suspenso, um crepúsculo íntimo que jamais se converte em noite nem em manhã. Não é chegada nem despedida, é o território ambíguo onde o desejo de ir convive com o medo de abandonar aquilo que nos define. Vivemos, muitas vezes, nesse limiar silencioso, como viajantes que arrumam a mala todos os dias e nunca atravessam a porta.
Essas vésperas interiores não são feitas de ação, mas de expectativa. Alimentam-se de planos adiados, de promessas feitas a nós mesmos em voz baixa, quase com vergonha. Queremos partir, mas queremos, sobretudo, preservar a imagem de quem seríamos se partíssemos. O gesto nunca realizado torna-se mais puro que qualquer realidade possível, pois não sofre o desgaste do concreto. O sonho intacto parece mais verdadeiro do que a vida tocada.
Há, nesse adiamento contínuo, uma forma sutil de autoengano. Convencemo-nos de que a espera é prudência, quando muitas vezes é apego. Não partimos porque partir exige perda, e perder exige maturidade. Permanecer, ainda que desconfortável, oferece a ilusão de controle. No espaço do nunca partir, nada se rompe definitivamente, nada se compromete por inteiro.
Essas vésperas também revelam uma melancolia específica, não a tristeza pelo que foi, mas pelo que poderia ter sido. Carregamos versões de nós mesmos que nunca respiraram o mundo, personagens que vivem confinados no pensamento. Eles nos observam em silêncio, cobrando uma coragem que raramente reunimos. São fantasmas gentis, porém implacáveis.
No fundo, o que nos prende não é o medo do caminho, mas o medo da transformação. Partir significa aceitar que não seremos mais quem somos agora, e isso fere o apego narcísico à própria identidade. Preferimos a estagnação conhecida ao risco de uma verdade nova. Assim, habitamos eternamente o cais, enamorados pelo horizonte, mas fiéis ao chão.
As vésperas de nunca partir não são um fracasso moral, são um retrato humano. Revelam nossa dificuldade em aceitar o tempo como movimento irreversível. Queremos o conforto da possibilidade sem o peso da escolha. Contudo, é preciso reconhecer, toda véspera prolongada acaba por se tornar uma forma de ausência. Não partimos para fora, e, aos poucos, deixamos de partir também por dentro.
Talvez a maturidade não esteja em partir sempre, nem em ficar para sempre, mas em reconhecer quando a espera deixou de ser escuta e se tornou fuga. Há momentos em que o nunca partir é apenas silêncio fértil. Em outros, é o modo mais elegante que encontramos de não viver.
Oliver Harden
Subscrito
Bonani

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