O Escritor e a Arte de Perguntar
O Escritor e a Arte de Perguntar: A Literatura como Provocação do Pensamento
Vivemos uma época em que o valor da informação parece ter suplantado o da sabedoria, e onde se exige de toda produção textual uma funcionalidade imediata, um esclarecimento pronto, uma resposta útil. Nesse contexto, tende-se a reduzir o papel do escritor a uma espécie de fornecedor de soluções, um domesticador de dúvidas, um mediador entre o caos da realidade e a ordem desejada pelo leitor. Contudo, a literatura, a verdadeira literatura, não nasce do desejo de resolver, mas do impulso de indagar. O bom escritor, portanto, não sana as dúvidas, ele as multiplica. Não traz respostas, mas lança perguntas como sementes em terreno fértil.
A arte de escrever, em sua expressão mais elevada, não é uma engenharia de certezas, mas uma alquimia de perplexidades. É, como sugeria Kafka, um machado que rompe o mar congelado dentro de nós, e não há ruptura sem abalo, sem dúvida, sem tremor. O escritor não é um guia, mas um perturbador. Ele não tranquiliza, inquieta. Sua tarefa não é iluminar o caminho, mas obscurecer com elegância aquilo que julgávamos claro demais.
Nesse sentido, escrever é um gesto subversivo, pois desafia a tendência humana de buscar o conforto do compreensível, a segurança do definido, a paz da resposta. A boa literatura recusa o papel de catecismo ou manual. Ao contrário, ela abre abismos sob os pés do leitor, exige dele uma atitude ativa, crítica, meditativa. Cada obra genuína é uma convocação ao pensamento, um espelho trincado onde a alma é forçada a se olhar por ângulos que evitava.
A tradição literária está repleta de mestres da dúvida. Dostoiévski, em vez de oferecer soluções morais, encenava conflitos éticos dilacerantes que continuam a ecoar nas consciências. Camus escreveu O Mito de Sísifo não para negar ou afirmar o sentido da vida, mas para intensificar a angústia da pergunta. Clarice Lispector mergulhava na interioridade para revelar o que escapa à linguagem, sugerindo, mais do que enunciando. Fernando Pessoa, com seus heterônimos, fragmentava o eu para mostrar que nenhuma identidade é definitiva, e que toda verdade é parcial.
Esses escritores compreendiam algo fundamental, o pensamento vive da dúvida, e a dúvida é o oxigênio da consciência. Sanar as incertezas seria, paradoxalmente, asfixiar o espírito. É por isso que a literatura que importa, e aqui uso o verbo “importar” em seu sentido mais profundo, é aquela que carrega consigo uma potência filosófica. Ela não instrui, ela revela. E o que revela é a nossa ignorância, o caráter incompleto de toda percepção, a precariedade de todas as respostas absolutas.
O escritor que se propõe a responder a tudo, a esclarecer, a ser porta-voz de verdades, corre o risco de transformar a linguagem em instrumento de doutrinação, e a obra em panfleto. Ora, a arte não é pedagogia nem política, embora possa dialogar com ambas. A arte é dimensão do ambíguo, do contraditório, do indizível. Um bom escritor compreende que a potência de sua escrita está justamente naquilo que ela não fecha, naquilo que deixa em suspenso.
Dessa forma, ler não é apenas um ato de recepção, mas de participação. O leitor digno da literatura é aquele que aceita o convite ao labirinto, que se dispõe a caminhar entre as sombras do texto, que entende que o sentido não se recebe, mas se constrói. A leitura torna-se, então, uma forma de diálogo entre consciências inquietas.
Assim, afirmamos, com convicção lúcida, que um bom escritor não sana as dúvidas, ele as honra. Sua obra não é um mapa, é uma paisagem por decifrar. Seu talento não está em nos oferecer conforto, mas em nos deixar em estado de vigília. Em tempos de respostas fáceis e opiniões ruidosas, precisamos mais do que nunca da literatura que pergunta, da escrita que, longe de encerrar o pensamento, o inaugura.
Oliver Harden
Subscrito
Bonani
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