O show que se assiste sozinho




Há um palco que não se ergue em tábuas, nem se ilumina com holofotes. Não há cortinas vermelhas, tampouco plateia visível. Ainda assim, o espetáculo se inicia com o nascer do dia, e encerra-se, sem pausa, apenas quando o último suspiro se apaga. É o show que se assiste sozinho, e, paradoxalmente, aquele de que também se participa como ator, como diretor hesitante de um roteiro que nunca se escreveu por inteiro.


Neste teatro íntimo, as vaias não ecoam de vozes alheias, mas brotam, surdas e contínuas, do próprio peito. Elas não pedem silêncio, exigem perfeição, coerência, grandeza. São as vaias do eu que julga o eu, como um tribunal implacável presidido por uma consciência hipertrofiada. Cada erro, cada descompasso entre intenção e gesto, cada tropeço na coreografia da vida, é punido com o açoite do autoescárnio.


Os aplausos? Ah, estes são raros como auroras boreais em desertos. Surgem discretos, às vezes apenas na forma de um instante de paz, de um olhar ao espelho que não acusa, mas acolhe. Ou na aceitação momentânea da própria condição trágica e sublime, esta estranha condição de ser ao mesmo tempo espetáculo e espectador, máscara e carne, ficção e realidade.


A música que permeia este show não é orquestrada por mestres, ou acompanhada de partituras. É uma melodia que escapa das cordas tensas da alma, que se transforma em soluço, em choro contido ou em lamento derramado. É a trilha sonora daquilo que não se diz, daquilo que se sente quando se está sozinho mesmo entre muitos, e, sobretudo, quando se está sozinho consigo mesmo.


E há beleza neste drama silencioso. Porque assistir a si mesmo, suportar-se, interpretar a própria vida com todas as dissonâncias e contradições, isso exige uma coragem que raramente se reconhece. E talvez o verdadeiro triunfo, o aplauso mais autêntico, não venha de fora, mas do instante em que compreendemos que este show solitário é, na verdade, a mais honesta forma de arte, a arte de viver sendo quem se é, mesmo sob vaias, mesmo em lágrimas, mesmo na escuridão.


Pois há uma dignidade imensa em continuar o espetáculo, ainda que os assentos estejam vazios, ainda que a música doa, ainda que o roteiro nos escape, e ainda assim insistir em viver como se cada cena, cada gesto, cada lágrima tivesse a grandeza de uma epifania.


Oliver Harden

Suubscrito 

Bonani 

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