O Passado e Seu Processo Educativo

 


Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. Lamentações 3:21

O passado é uma estrutura fluida, e não uma cela hermética. Ele deve ser visto como um compêndio de lições, não como uma condenação perpétua. No entanto, muitos se tornam prisioneiros de suas próprias memórias, encastelados em remorsos, ressentimentos e dores irreparáveis. Isso ocorre porque o ser humano tem uma inclinação natural para o apego, e o passado, sendo imutável, oferece uma ilusão de controle: uma narrativa já escrita, onde os erros são concretos e as dores, familiares. Entretanto, essa fixação é uma forma de servidão mental, uma prisão cujo carcereiro é o próprio sujeito.

Nietzsche, ao propor o conceito do “eterno retorno”, nos desafiava a encarar a vida de tal forma que estaríamos dispostos a vivê-la repetidamente, infinitas vezes, sem arrependimento. Essa postura exige um desapego do sofrimento como algo absoluto e a aceitação de que os erros, por mais dolorosos que sejam, são apenas partes inevitáveis do fluxo existencial. Em outras palavras, aquele que se condena ao passado esquece que a vida é uma construção dinâmica, não um destino pré-determinado.
O passado deve ser interpretado como um livro que já foi escrito, mas cujas lições ainda podem ser aplicadas à narrativa que continuamos a redigir. Ele pode servir como um mapa que orienta, mas jamais como uma âncora que nos afunda. O problema é que muitos não percebem a diferença entre lembrar e reviver. Recordar é um ato de sabedoria, enquanto reviver é um ato de tortura autoinfligida.
Dostoiévski, em Memórias do Subsolo, apresenta-nos um narrador que se aferra a suas misérias passadas, utilizando-as como justificativa para sua inação no presente. Ele se torna um refém da própria consciência, um homem que racionaliza seu sofrimento a ponto de transformá-lo em identidade. Essa obra demonstra com clareza o perigo de fazer do passado um tribunal perpétuo, no qual nos tornamos juízes e réus ao mesmo tempo.
O verdadeiro caminho para a liberdade psicológica não está em negar o passado, mas em compreendê-lo como um processo educativo. Não há condenação em um erro, a não ser aquela imposta por uma mente incapaz de perdoar a si mesma. Em última instância, somos os autores da narrativa que escolhemos contar a nós mesmos. E a sabedoria consiste em permitir que o passado ilumine o caminho, mas jamais o determine.

Subscrito

Bonani

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